Innoconce : A sociedade secreta das fadas - Cap.#1 - Parte 2



Capitulo 1 - Parte Dois.
Não me lembro qual foi a última vez que chorei ou senti dor, ou alegria. Só sei que hoje senti o desejo de chorar. Aumentei o volume do que ouvia no celular “Elephant Gun de Beirut” que inaugurava o meu primeiro dia de vida; renasci das cinzas que eu mesma havia fabricado.
Não queria que as pessoas pensassem que tudo que fiz, foi por querer prejudicá-las. Não sabia me conter, e destruir, era a única coisa que aprendi a fazer em minha vida.
Tornou-se inevitável não magoar em meu processo de autodestruição. Não tenho culpa de ter nascido assim, mas hoje me sinto altamente responsável por uma mudança que me tire do centro do mundo, pondo-me em meu devido lugar.
Creio que a porta que acabei de sair, certamente, não é a entrada do céu, porém, é a porta que desviou os meus passos do inferno. Estava feliz que ainda havia tempo de viver a vida em plenitude. Ainda era jovem e usava meu velho jeans com fendas nos joelhos, eis em mim, a carpinteira de pequenas felicidades produzidas pelas próprias mãos.
Mesmo com vinte e um anos de idade, pensava e agia como se ainda tivesse quatorze. Não me importava, este era o jeito que me sentia feliz momentaneamente. Brincava com os devaneios que estavam ao meu alcance – uma fábrica sutil de sonhos fugaz.  
Não consegui me desfazer de meu tênis all star, também pudera, era o único sapato que ainda me restara – surrado e com algumas aberturas laterais, porém, majestoso, quando o calçava, sentia-me a própria rainha Elizabeth em seus melhores anos.
O celular, eu havia roubado dias atrás. Digo que é meu por força de expressão. Sei que não é. Sei que não deveria estar comigo. Ele iria me servir como moeda; a troca do suor de alguém por minutos a menos de minha vida.
Olhei para as minhas mãos, a cada vez que aconteciam as desgraças causadas por minhas atitudes, elas ficavam assim: os dedos queimados revelando um aspecto esverdeado, cortados acima da cutícula.
Queria me devolver à vida, tentando refazer tudo que destruía. Arrumar a unha era o mais fácil, já que não conseguia arrumar nada por dentro e nem os estragos que havia feito ao meu redor. Com as mãos trêmulas, diante do desejo contido de desabar em lágrimas, a vista turvava, e a louca em mim, quebrava uma garrafa e tentava remover a cutícula com um caco de vidro.  A cutícula sangrava mais e mais no desespero de sair daquela situação, nem que para isso tivesse que remover o dedo todo, porém, nada do que fazia era suficientemente satisfatório a ponto de me fazer sentir melhor.
Estava morta e não sabia, caminhava sozinha por entra a multidão que ignorava a minha presença triste e mal cuidada.
Diante dessas lembranças, pus a mão no bolso de trás da calça e retirei o único dinheiro que sobrou da vida louca que levava – uma nota de dez! Ainda sentia a boca salivar com vontade de destruir algo, alguém ou a mim mesma. O corpo, a mente e todo o emocional clamavam por esta dose que em muitas vezes me parecia sacra.
Para não gastar o dinheiro com o meu plano da noite passada, parei em frente do salão de beleza e olhei o letreiro que anunciava o local, salão Vitória, este nome salvou o meu dia. Fechei os olhos e pela primeira vez tomei uma decisão consciente “hoje não irei me destruir”. Não irei arrancar dos meus sonhos a mínima esperança de conseguir sobreviver aos meus sentimentos de ódio, rancor e desilusões... Não vou amortecer a minha dor, custe o que custar, vou atravessar este dia viva.
 Apertei forte a mão que ainda era fria, cheia de medos e insegurança, e entrei no salão.
A atendente veio ao meu encontro com um sorriso forçado.
— Em que posso ajudá-la?
“Preciso de ajuda!” Lembrei-me de ter ouvido isso no lugar em que fui antes de chegar aqui.
— Gostaria de fazer as unhas. – respondi com vergonha de mostrar o que havia restado delas.
Ela me olhou de cima a baixo e pediu para eu sentar na cadeira que tinha uma pequena mesa.
Sentia-me totalmente inadequada, como se nunca tivesse entrado em um salão de beleza. As loucuras do dia-a-dia me tiraram a espontaneidade. A todo o momento acreditava que as pessoas estavam me observando ou reparando algo em mim, isso faz parte das conseqüências dos  três fins que havia escolhido – prisão, instituição e morte. O problema nunca foi o que fiz, e sim, o que me levou a fazer. Por que eu queria morrer? Por que me anestesiava não querendo sentir? Por que me odiava tanto?
— Qual o seu nome? – ela me perguntou reparando a raiz do meu cabelo que havia crescido pelo menos quatro dedos, dando a vista, a cor castanha, original de meus cabelos, o restante estava em um misto de fios vermelhos, roxos e dourados.
— Alexia. – eu consegui responder, jamais conseguiria em outros momentos. Tinha medo de saber quem eu era.
— Por que não faz o cabelo também? – perguntou.
— Não tenho dinheiro. – respondi, sabendo que se quisesse, tiraria dela tudo que tinha, usando apenas da boa lábia.
— Ahm. – ela respondeu olhando para o meu péssimo aspecto, resquícios de minha vida louca.
Quando pegou a minha mão para olhar, não conseguiu se conter: — Meu Deus! O que houve com os seus dedos?
— Foram queimados e cortados. – respondi sem querer dar alguma explicação.
— Nossa! Quem fez isso?
— Eu. – saiu um “eu” seco e objetivo.
— Ahm. – novamente ela respondeu usando esta expressão. Seu rosto tinha ares de espanto. — Vamos ver o que consigo fazer, pois sua mão está muito maltratada, se doer me avisa.
Assim que começou a trabalhar com o alicate, passei a sentir a sensação que nunca mais havia me visitado, dor física. Em instantes, os dedos passaram a sangrar.
— Meu Deus! – ela se desesperou com a quantia de sangue que escorria dos cantos das unhas.
— Pode continuar! – pedi.
— Mas deve estar doendo muito...
— Não importa, continue. – estava determinada a fazer as minhas unhas e me manter viva naquele dia, nem que para isso tivesse que penar com o toque do alicate na carne viva de meus dedos.
— Sinto muito! Não posso continuar...
— Por favor, continue... É muito importante para mim, que você faça hoje as minhas unhas. – pedi com sinceridade.
— Isso será muito dolorido, não posso fazer isso com você. – ela disse.
— Será extremamente dolorido sair daqui, sem fazer as minhas unhas. – meus olhos marejaram, e se precisasse, imploraria. Se saísse daqui sem realizar o meu sonho, poderia gastar esse dinheiro com o preço que arcaria a minha morte.
— Eu não sei... – ela pensava enquanto respondia, coçando a cabeça.
— Por favor, acredite - é importante para mim! – eu sabia que se não gastasse aquele dinheiro hoje, estaria perdida, em um caminho sem volta.
— Está bem, mas na primeira queixa de dor, eu paro na hora. – ela disse sem entender o que havia de tão importante assim, para mim, em continuar o seu trabalho.
— Combinado. – disse eu, enxugando a lágrima.
Foram mais de uma hora de dor intensa. Por mais que ela fosse cuidadosa com o que fazia, estava extremamente dolorido, este era o preço de meu primeiro dia de vida. De vez em quando eu podia ouvir uma das vozes que sempre falou em meu ouvido “Você consegue!” prometi que não iria me irritar desta vez com o que ouvia. Acreditava que eram as pessoas que prejudiquei e cooperei com a sua morte.
Quando terminei, a manicure olhou inconformada para os meus cabelos.
— Você vai me desculpar, Alexia, mas vou mexer em seus cabelos. Ninguém entra neste salão e sai daqui produzida pela metade, e seus cabelos... – ela tocou neles. — Estão infinitamente desagradáveis, sente-se ali, por favor.
— Eu não tenho como pagar o serviço que fará em meus cabelos.
— Quem disse que você irá pagar? É um presente por ter sido corajosa em fazer as unhas no estado como estavam, e o pior, sem reclamar. – ela riu sem imaginar o quanto de dor um ser como a mim, era capaz de suportar sem se dopar com alguma droga.
Senti-me feliz! Pela primeira vez não enganei ninguém para poder me beneficiar com alguma coisa. Este foi o meu primeiro presente em recuperação.
Sai do salão irradiante. Estava experimentando um sentimento desconhecido. Poderia estar deitada em minha cama, amargurada, queixando-me pela falta da vida louca, e em vez disso, consegui me levantar e realizar o primeiro sonho que não houve tempo de se concretizar.
Sinto-me bem em saber que o meu mal está relacionado a uma maldição e não, a uma falha em meu caráter, e mesmo assim, ia e vinha a lembrança insuportável que me fazia coçar os braços e molhar a roupa de suor. Já sabia que tinha que passar por este processo, experimentando sensações ruins, somente assim chegaria a algum lugar que ainda não conheço, mas anseio por isso, mesmo sentindo medo. O desconhecido tem o dom de me causar um horror sobrenatural. Continuo pedindo ao meu Poder Superior que cuide de mim e me ensine a fazê-lo. Não estou mais sozinha.
Continuo andando. Hora, ou outra sinto um frio na barriga. Sentia medo da nova maneira de viver. Não sabia como conseguiria sobreviver sem fugir de tudo e de todos. Como era estranha a sensação de caminhar nas ruas olhando as coisas a meu redor. Como ser uma pessoa que não conheço, e como ela esta pessoa funcionaria sem o comportamento de antes?
Passei a correr pelas ruas. Queria me esconder, pois sei o quanto sou nociva a mim mesma. Em um desses momentos terríveis causados pelo medo do novo, poderia tentar fugir, voltando para os caminhos que conheço.
Tenho medo de amar.
Tenho medo de que alguém me ame: eu não sei lidar com isso. “Chega!” – gritei alto. Parei no meio da rua, pondo as mãos na cabeça, agachando-me como a um papel dobrado. Era inevitável chorar. Chorei por não saber viver sem me sentir escrava de algo. “Vai passar!” – a voz dizia. Arranquei para fora toda a dor que estava presa dentro de mim. “Meu Deus...” Há quanto tempo estou aqui neste mundo sem saber o porquê nasci... “Cuidado com a autopiedade” – a voz insistia.
Ao levantar a cabeça, percebi que algumas pessoas passavam e olhavam para aquele estado deplorável em que me encontrava, porém, de cabelos e unhas pintadas. Sofreria estando parcialmente fashion.
Levantei ao me lembrar da mão estendida que me levou até a reunião de hoje e comecei a andar firmemente, enxugando as lágrimas como alguém que aprendeu a fazer isso sozinha.
Aumentei o volume do som do meu celular e pus-me a cantar a minha música preferida mesmo chorando. Eu sentia um desejo inexorável em vencer os meus monstros. Viveria! Mesmo que para isso tivesse que matar uma parte de meu ser.
As lágrimas banhavam meu rosto abatido. Senti vontade de roer as unhas, mas olhando para elas tão bonitas, as beijei e percebi o tom da cor “que lindo”, nunca mais tinha percebido outra cor que não fosse a cinza e a preta. Lutava minuto a minuto contra os meus desejos destrutivos. O corpo, mente e alma estavam alucinados por minha volta ao inferno, porém, plantei hoje uma semente que salvará o meu dia das garras desta maldição que me consome.
Só por hoje posso viver, se eu quiser. Irei aprender a domar este leão que não posso matar, mas posso vencê-lo, há esperança! Sim, meu coração bate. A única coisa que preciso fazer é tentar.
Ao atravessar a rua, deparei-me com a imagem de alguém, que como eu, procurava por si. Sentada com as roupas sujas e os cabelos embaraçados, ela escrevia com os dedos, algo imaginário no cimento da calçada. Sim! Era ela! A quanto tampo não a via, mas parecia tão diferente... Seria ela mesma ou estaria vendo coisas?
Aproximei-me, e mesmo assim, ela não levantou a cabeça. Continuou com os dedos na calçada, traçando sabe-se lá o quê.
— Posso me sentar com você? – perguntei sem ainda saber se era a pessoa que imaginei.
Sem olhar em meus olhos, ela apontou com a cabeça para o lugar ao seu lado. Em seguida, voltou à escrita imaginária. De seu nariz, escorria uma coriza, e com um dos braços ela limpava, esfregando o nariz.
— Tudo bem contigo? – arrisquei.
— Normal. – respondeu-me sem vontade.
— Como se chama? – perguntei, quem sabe ela confirmaria a minha suspeita, dizendo o seu nome.
Agora ela me olhou, e seu olhar era perdido, disperso e sofrido. Sim, poderia ser ela! Como poderia ser também, alguém com os olhos muito parecidos com os de... Marion...
— Any, Mary, Renien, Glorie... Qualquer nome que queira me dar. – disse ela, com um tom sem vida.
— Entendo como se sente... – respondi.
Na verdade, sabia exatamente como era o final de tudo e o vazio que fazia ecos por dentro. Conhecia o desejo de morrer; o arrependimento por ter quebrado a promessa de nunca mais voltar a fazer a mesma coisa, no entanto, lá estava eu novamente, me humilhando por qualquer subterfúgio que me escondesse de mim mesma.
— Você tem algo para me dar? – ela perguntou, olhando para a minha roupa, enquanto eu observava os dedos queimados com os cantos dos dedos esverdeados, como os meus. Agora eu tinha certeza de que era Marion, seu aspecto era de quem envelheceu vinte anos.
— Não tenho o que quer, mas tenho muito mais do que isso.

4 comentários:

  1. Eu adorei a parte dois. Assim como a primeira parte fiquei super curioso com o resto da história. Não sei se já comentei, mas a capa do livro é demais.

    Abraços.
    Igor Gouveia.
    http://25conto.blogspot.com/

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  2. Nossa, nossa essa parte dois me doeu o coração, quanta emoção ao ver o sofrimento dela e orgulho por sua coragem, é aqui que penso como sou sortuda na vida por não ter passado por esses caminhos tristes...nossa Adri gostei muito do seu modo de escrever...\o/...ansiosa pela parte 3....beijokas elis

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  3. Nossa que parte tocante! Fiquei aflita aqui rs.
    Ansiosa pela terceira parte =)
    Beijos.
    http://booksedesenhos.blogspot.com

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