“Riva la filotea”. (Que está a chegar) - Este mundo, os mundos e os outros... Das liberdades, religiosa e de expressão



     Nesta última quarta-feira, o semanário satírico francês “Charlie Hebdo”, optou pr ter duas capas; uma “normal”, outra “responsável”, tudo isto para os que consideraram que a publicação das novas caricaturas de Maomé na semana anterior, não passou de uma “provocação” e de “atirar lenha para a fogueira”
   A primeira capa é sobre “a invenção do humor”: por cima de um homem das cavernas que segura óleo com uma mão e fogo com a outra lê-se “jornal irresponsável”. “Atirar lenha para a fogueira” (óleo para o fogo, na expressão em francês) foi uma das acusações então feitas ao jornal pela publicação de novas caricaturas do profeta Maomé, em cadeira de rodas, a ser empurrado por um judeu ortodoxo, enquanto os dois diziam “não vale gozar” (o título era “Intocáveis 2”, em alusão ao filme francês “Intouchables”).

A segunda capa, diz apenas “jornal responsável” escrito em vermelho sobre um fundo totalmente em branco, o branco da auto-censura, escreveu o Le Monde. Charb, o director do Charlie Hebdo, explicou: a edição “responsável” mostra “aquilo que as Boutin (Christine Boutin, presidente do Partido Cristão-Democrata francês) e os Cohn-Bendit (deputado europeu dos Verdes, que chamou “idiotas” e “masoquistas” aos responsáveis do jornal) querem ver”. A outra será “um Charlie Hebdo normal”. Não são apenas duas capas diferentes, mas duas edições.

   No interior da edição do "jornal responsável", onde deveria haver desenhos há páginas em branco, assinadas pelos colaboradores do Charlie Hebdo. O editorial da edição em branco é um pedido de desculpas irónico pela publicação das caricaturas, há uma semana: “A fim de agradar (ao ministro dos Negócios Estrangeiros francês) Laurent Fabius, (ao ex-ministro) Brice Hortefeux e a Tariq Ramadan (um intelectual muçulmano), o Charlie Hebdo não atirará mais ‘lenha para a fogueira’ e não voltará a ser ‘irresponsável’.”
   As duas capas, que foram publicadas no Twitter pela jornalista francesa Virginie Sellier, são uma reacção às críticas e acusações de “provocação” dos islamistas que choveram sobre o semanário na semana passada, depois de ter decidido publicar novas caricaturas de Maomé, quando os violentos protestos contra o filme Innocence of Muslims, que ridiculariza os muçulmanos e o seu profeta, duravam há uma semana e tinham feito dezenas de mortos por vários países do mundo islâmico. Embaraçado com as caricaturas, o Governo francês decidiu encerrar embaixadas e escolas nos países com protestos (por causa do filme produzido nos Estados Unidos tinha havido vários ataques a
embaixadas norte-americanas).
   Lançou-se então um grande debate em França sobre até onde poderia ir a liberdade de expressão. Na véspera da publicação daquele número, o primeiro-ministro, Jean-Marc Ayrault, pediu que não fossem cometidos excessos e apelou “à responsabilidade de cada um” tendo em conta o que se estava a passar no mundo islâmico. "Se nos começarmos a questionar se temos ou não o direito a desenhar 
  Maomé, ou se é perigoso fazê-lo, a questão seguinte vai ser se podemos representar os muçulmanos num jornal", disse então Charb, ouvido pela emissora RTL. "Depois talvez nos questionemos se podemos representar seres humanos. No final, não poderemos representar nada. E um punhado de radicais que se mobilizaram pelo mundo e em França terá ganho." Mais tarde, numa mensagem para os leitores publicada no blogue do jornal, explicou que seu o trabalho de “comentar a actualidade com desenhos não é uma ‘provocação’ ou ‘atirar lenha para a fogueira’, mas simplesmente fazer o Charlie Hebdo”.
    Ninguém é inocente.
   O que mais preocupa neste mundo tão diferente, é onde acaba a liberdade de expressão e começa a liberdade de religião, ou o inverso, é, sem dúvida, uma questão em aberto no mundo de hoje, um debate que talvez não interesse a nenhum dos lados, como se, por um lado a violência motivada por ódio religioso e preconceito, motive o aumento das interferências governamentais quer nas práticas religiosas, quer censurando a livre expressão.
   O pior de ninguém ser inocente, é que ninguém parece querer, através do diálogo, do debate, encarar as liberdades de culto e de expressão de forma aberta, basta para isso ler as condenações públicas de entidades como o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, ou o próprio secretário-geral da ONU, sobre o filme e as caricaturas, adjetivando-os de “maliciosos e deliberadamente provocativos”, atirando mais achas para uma fogueira incontrolável.
   Afinal os inocentes acabaram e o silêncio começa a tomar conta do que deveria ser uma das maiores conquistas de todas as sociedades, a liberdade.

Por: Ricardo Pocinho

2 comentários:

  1. Oi Ricardo!
    Parabéns pela estreia aqui!
    Confesso ser bastante alienada quando o assunto é atualidades e não me orgulho disso rsrs...
    De qualquer forma, gostei bastante do seu post e da ideia da coluna.
    Acho que o assunto é sempre complicado quando se trata de diferentes culturas!
    Beijos!

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  2. Agradeço o comentário Aione, os parabéns. A questão fundamental de hoje, é saber-se onde começam e acabam as liberdades, ou até onde podem ir. Um assunto de difícil entendimento enquanto pelo mundo continuarem a existir "fundamentalistas" de todos os tipos, géneros e formas, mas um assunto atual e que merece uma discussão aberta e verdadeira. Agora, a pergunta mantem-se, será que alguém estará interessado? Abraço-te.

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