Resenha: No vale de ossos secos - Mike Sullivan

 "Enfiou a chave na fechadura e empurrou a porta.
O apartamento estava silencioso e escuro.
Por alguns instantes permaneceu imóvel
temendo dar um passo sequer.

Visto antes como um local de refúgio,
segurança, uma fortaleza onde ninguém poderia atacá-lo,
Ruy Dantas essa noite tinha outras formas de encarar esse lugar.
Sabia que ao entrar por aquela porta seria
mais uma vez jogado aos braços da deusa solidão.
Contra ela sentia-se muito mais fraco.
Não havia armas para se defender e
o jeito seria render-se como sempre.

Fechou os olhos, sentiu uma lágrima quente escorrer
e como se orasse ou tentasse visualizar a imagem de Deus,
ele deu um passo, fechou a porta atrás de si
e acendeu as luzes.
Nada de estranho o surpreendeu.
Contemplou como numa galeria de arte
o silêncio caótico sem forma, sem surpresas,
um silêncio que não acolhia e muito menos o confortava
mas que só o oprimia.

Foi até à cozinha, ligou a cafeteira e
esperou até que um café ficasse pronto.
Encheu uma caneca e voltou a sala
para se jogar numa poltrona que, nessa noite,
seria novamente sua fiel companhia.”



Só descobri que este livro era um romance quando cheguei no fim. Gosto de livros assim, pois me remetem a vida real, onde não sabemos quem será nosso par na última página da nossa vida.
 No vale de ossos secos é um livro intenso que se passa na monótona rotina de um homem de cinquenta anos, Ruy Dantas. O livro começa pelo fim, Ruy já com os seus 82 anos recebendo o prêmio Nobel de Literatura, mas o prêmio pode esperar, pois antes dele o personagem tem uma experiência incrível 30 anos antes.
Em meio ao tédio e a solidão, Ruy Dantas descobre que sua vida não é a vida que se espera de um homem de mais de 50 anos. Separado, com uma filha recém-casada, um emprego estável, Ruy acha que o tempo de ser feliz já expirou, começa a reunir arrependimentos, e a sentir-se necessidade de se aproximar da morte, afinal, não é ela que está vindo logo ali na frente?
Depois de várias canecas de café, Ruy é assolado por ideias inusitas, decide cumprir três tarefas para ressucitar o desejo de estar vivo. Ele não só cumpre as três tarefas, como são elas que definem o motivo de este senhor estar vivo.
Numa dessas tarefas, Ruy Dantas se envolve numa situação delicada. Ele acaba conhecendo uma criança com leucemia chamada Melinda e se comove, sua comoção e o destino o coloca no caminho da mãe da menina, Virgínia. Realmente tocado pela história, Ruy tenta fazer algo por elas, mas na minha opinião, a tristeza delas é que fizeram alguma coisa por ele.
Suas tarefas trazem à tona lembranças do passado numa sincronicidade perfeita. Com relatos da infância, contados em primeira pessoa, ficamos atraídos pela história de vida e consequência dela. Conseguimos até identificar nos capítulos escritos em primeira pessoa o crescimento do personagem, e seu amadurecimento em ordem cronológica.
Temos que dividir nossos corações entre presente e passado, pois somos instigados a entender o significado dos encontros acidentais de Ruy e Virgínia em cada tarefa.
Em um misto de crise existencial, questionamentos filosóficos, crítica a religião e medo da morte, torcemos não só que Ruy Dantas seja feliz como invejamos um pouco o romance com o qual se envolveu. Além de concordarmos inteiramente com o merecimento do prêmio Nobel anos depois.
O autor é brasileiro e psicológo, e em cada capítulo nos identificamos um pouco com a dura tarefa de ser feliz e não se arrepender de nada.

Por: Thayane Gaspar

3 comentários:

  1. Oi Thayane!
    O livro parece ser incrível! O fato do autor ser também psicólogo com certeza acarreta em consequências interessantes para a leitura, acho que seria uma que eu gostaria de fazer.
    Beijos!

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  2. Eu não conhecia esse livro nem o autor, mas me parece que tem uma profundidade como poucos, mergulhando fundo mesmo nos sentimentos. Também pudera, já que o autor é psicólogo. Imagino que é bom estar com o coração bem aberto para iniciar essa leitura, já que ela não tem as características de ser só um passatempo ... faz pensar.

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  3. Oi!
    Parece ser incrível o livro, boa sorte amiga colunista!
    Beijão

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